Ano 01
– Eu não ligo para críticas!
– Mas, olha: na verdade não tem nenhuma crítica sobre você.
– Nenhuma?
– Nenhuma.
– Viu por que eu não ligo? Esse povo é muito idiota, não sabem valorizar um artista de verdade. São tudo da mesma panelinha. Nojentos.
Ano 05
– Eu não ligo para críticas!
– Que bom porque o sujeito mencionou você.
– Jura? Onde?
– Aqui. Diz que é uma promessa.
– Sério? Que legal. Mas não interessa. Não posso deixar me iludir.
– “…uma promessa, mas um pouco imaturo na execução de seu…”
– Escreveu isso?
– Tá aqui, seu nome e tudo.
– Esses nojentos. Não entenderiam de arte nem se caísse nos pés deles.
Ano 10
– Eu não ligo para críticas.
– Amaram.
– O quê?
– Amaram. Disseram que é perfeito.
– Mentira sua…
– Tá aqui: “…uma redefinição de como encarar a arte de frente, de forma corajosa. Um marco nacional”.
– Olha só, finalmente estão entendendo que…
– Pena que são esse nojentos.
– Como é?
– Você que disse “esses nojentos, não entenderiam de arte nem se caísse nos pés deles.” Tá escrito ali em cima, como se fosse há cinco anos atrás.
– Como você é recalcado. Pra quê guardar mágoa? É obvio que agora estão finalmente entendendo. Onde tá o link pra eu compartilhar?
Ano 15
– Eu não ligo para críticas.
– Sei.
– Juro, não ligo.
– Tá.
– …Me fala.
– Não. Você não liga.
– Verdade… Não ligo.
– Que bom.
– Porquê?
– Porque o quê?
– Por que é bom?
– Nada… Você não liga.
– É… Tenho princípios.
– Ótimo.
– Princípios…
– Quer que eu te conte o que acharam?
– Sim!
– Não gostaram…
– ESSES PUTOS!
Ano 20
– Eu não…
– Eles amaram.
– Ainda bem!
Ano 25
– Eu não ligo para críticas.
– Gostaram bastante, fizeram elogios a tudo.
– Sinal de que respeitam o verdadeiro artista.
– Mas, vem cá: esse aqui não é seu amigo pessoal?
– Como assim?
– Eu reconheço o nome. Não fez faculdade com você ou trabalhou com você num projeto uns anos atrás? Ou ficou seu amigo num festival?
– Como você é futriqueiro. Que alma podre. Não entende que isso não faz com que a análise seja imparcial? Que pode ser feita de boa alma?
– …Verdade. Bobagem a minha.
– Bobagem mesmo.
– Pra quem você tá mandando essa mensagem de agradecimento cheia de emojis?
– …Um amigo meu, você não conhece. De um festival.
Ano 30
– Eu não ligo para críticas.
– Elas também não ligam pra você.
– Ligam sim!
– Não ligam não. Nem uma palavra.
– Mentira.
– Tô te falando, olha você mesmo… Pra quem você tá mandando esse mensagem cheia de emojis de raiva?
– Um ex-amigo, de um festival.
Ano 35
– Eu não ligo para críticas.
– Eu também não.
– O quê? Cadê a crítica?
– Resolvi nem ler. Porque acho que o seu trabalho foi muito bom. Em todos esses anos nunca vi você ficando tão satisfeito em relação ao trabalho. Achei que o todo foi harmônico e que isso basta pra… Pra quem você tá mandando essa mensagem cheia de interrogações?
– Um colega.
– De um festival?
– Não?
– Não mesmo?
– Talvez…
Ano 40
– Eu não ligo para críticas
– Tão dizendo que você tá repetindo fórmulas.
– Como ousam?
– Que você não tem mais o ímpeto de antigamente.
– Que ridículo!
– Que suas melhores qualidades não são visíveis neste trabalho e nem nos últimos.
– Mas quem escreveu isso? Eu nem conheço essa pessoa!
– Deve ser nova.
– Essa molecada ridícula que não respeita quem pavimentou o caminho pra chegada deles!
Ano 50
– Eu não ligo para críticas.
– “…você pode ter amado ou detestado seu último trabalho, mas você tem que reconhecer que a história artística desse gênio fala por si só”.
– Quem escreveu isso? O do festival?
– Não… foi a pessoa nova.
-… APRENDEU!
No leito de morte
– Eu não… ligo… pra críticas.
– Eu sei. Você sempre me disse isso.
– Você nunca… acreditou.
– Você tem visitas, espera.
(entram dois críticos)
Crítico 01 – Em toda a minha carreira, nunca vi uma pessoa ir desta vida de maneira mais digna.
Crítico 02 – Uma pessoa que redefiniu a arte até o último momento de respiro.
O artista olha pro amigo
– …Obrigado.
Ele falece.
Todos aplaudem, para total constrangimento do hospital.
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