No dia 31 de janeiro de 2014, a maior rede de mídia do Brasil mostrou um beijo entre dois homens num capítulo final de novela, quando grande parte das pessoas que assistem tevê aberta. Não só isso. O personagem que era o protagonista deste beijo, logo na sequência, leva o próprio pai até a praia. Lá, depois de uma cena sentimental entre pai e filho, entendemos que o pai aceita o filho como ele é.
São tantas quebras de tabu em apenas 5 minutos de dramaturgia que nem consigo explicar. Só queria deixar registrado aqui.
Baseado neste momento, tive uma visão futurística do que poderá acontecer, num futuro próximo, com a geração que nasceu a partir de sexta passada, o dia do beijo.
O diálogo a seguir acontece em 2026. Desculpem aos que não gostam, mas o texto tem palavrões. Vários. Comecei a escrever minha tentativa da voz de um adolescente e eles começaram a sair.
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Um apartamento nem tão alto, nem tão baixo. Barulhos do lado fora de uma cidade em contínuo movimento. Um pai e um filho estão na sala de casa. O pai está no sofá, vendo algo numa tevê. O filho vê algo num tablet, quase ausente. O filho larga o dispositivo no chão, olha para o pai, se aproxima, encosta a cabeça na perna.
Filho – Pai?
Milton – Oi, filho. Tá chato o jogo?
Filho – Zerei. Fácil.
Milton – Pra mim foi difícil. Não conseguia aquela última pista.
Filho – Tinha um truque.
Milton – Depois me mostra.
Filho – Tá…
Milton – Que foi?
Filho – Hum?
Milton – Que foi?
Filho – Ah, nada.
Milton – Filho, o que foi.
Filho – Um negócio da escola.
Milton – O que é que tem?
Filho – A diretora veio encher. Não pode mais fazer nada de ficar, beijar. Sabe?
Milton – Hum…
Filho – Nem do lado do fora. Antes podia. Lembra?
Milton – Você falou.
Filho – Achei chato. Até porque a diretora pegou no pé porque eram o Dilmas e o Evandro.
Milton – Não entendi.
Filho – Ah, pai, se sabe né? A diretora é da geração que tem problemas com isso.
Milton – Com beijo?
Filho – Com beijos de menino, pai.
Milton – Que pena.
Filho – É porque ela é velha, pai.
Milton – Ei! Como a gente combinou?
Filho – Porra, pai! Aquela vaca faz uma merda dessas…
Milton – Como a gente combinou?
Filho – … (ele respira, olha pro pai, entende que não vai dar pra contornar a situação) Aquela senhora preconceituosa do caralho…
Milton – Filho.
Filho – Aquela velha senhora, que cresceu sem entender que o mundo mudou pra melhor, tem problemas com isso.
Milton – Nem todo mundo entende. Você sabe. A gente já falou. A vovó não entende. Você acha sua vó tudo isso?
Filho – Porra, pai, a vó é muito mais velha que a diretora. Nem compara.
Milton – Só tô dizendo que nem sempre é por mal, muitas vezes é simplesmente por não compreender.
Filho – Porra, pai, é só um beijinho!
Milton – E, faz pouco tempo, nem isso podia.
Filho – Só por causa disso tenho que achar o máximo?
Milton – Não. Pode ficar insatisfeito e continuar lutando. Prefiro.
Filho – Tá…
Milton – Tá.
Filho – … Pai?
Milton – O que foi?
Filho – Quer que eu te mostre o truque da fase?
Milton – Por favor!
Comentários